Então, então você acha que consegue distinguir O céu do inferno Céus azuis da dor Você consegue distinguir um campo verde de um frio trilho de aço? Um sorriso de um véu? Você acha que consegue distinguir?
Fizeram você trocar Seus heróis por fantasmas? Cinzas quentes por árvores? Ar quente por uma brisa fria? Conforto frio por mudança? Você trocou Um papel de coadjuvante na guerra Por um papel principal numa cela?
Como eu queria Como eu queria que você estivesse aqui Somos apenas duas almas perdidas Nadando num aquário Ano após ano Correndo sobre este mesmo velho chão O que encontramos? Os mesmos velhos medos Queria que você estivesse aqui
“Em sua maioria, os jornalistas são incansáveis voyeurs que vêem os defeitos do mundo, as imperfeições das pessoas e dos lugares. Uma cena sadia, que compõe boa parte da vida, ou à parte do planeta sem marcas de loucura não os atrai da mesma forma que tumultos e invasões, países em ruínas e navios a pique, banqueiros banidos para o Rio de Janeiro e monjes budistas em chamas - a tristeza é seu jogo, o espetáculo, sua paixão, a normalidade, sua nêmese.
Os jornalistas viajam em bandos, a tensão à flor da pele, e mal podem adivinhar em que medida essa presença tem o poder de desencadear um incidente, acender as pessoas. As entrevistas coletivas, com suas câmeras e microfones, se tornaram de tal forma parte integrante dos acontecimentos de nosso tempo que ninguém sabe mais se são as pessoas que fazem as notícias ou vice-versa: o general Ki, no Vietnã, sentindo-se sem dúvida mais poderoso depois de ser pela sexta vez matéria de capa de uma revista, desafia a China; a polícia de Nova York invadiu o quartel-general de alguns jovens delinqüentes e descobriu que os líderes da gangue mantinham livros de recortes da imprensa; em Baltimore, um dia depois de o Relatório Huntley-Brinkley mencionar que a cidade tinha sobrevivido ao verão sem nenhum episódio de tumulto racial, houve um desses episódios. Se a imprensa está ausente, políticos cancelam seus discursos, manifestantes em defesa dos direitos civis adiam suas marchas, alarmistas deixam de fazer suas previsões lúgubres. Os soldados que guardam o Muro de Berlim, amplamente ignorado desde que o Vietnã tomou seu lugar nas manchetes, observam, despreocupados, as garotas que passam.
Uma notícia não publicada não causa impacto. Poderia muito bem não ter acontecido. Assim, o jornalista é um aliado importante da ambição, é o acendedor de lampiões das estrelas. É convidado para festas, cortejado e cumprimentado, tem acesso a telefones que não constam da lista e a muitos estilos de vida. Pode mandar para os Estados Unidos uma matéria provocativa sobre a pobreza na África, sobre distúrbios e ameaças tribais, e depois dar um mergulho na piscina do embaixador. Às vezes, o jornalista pode supor erroneamente que é seu charme, e não sua utilidade, que lhe rende esses privilégios; mas, em sua maioria, são homens realistas que não se deixam enganar pelo jogo. Eles o usam tanto quando são usados. Ainda assim, são seres inquietos. Seu trabalho, publicado instantaneamente, é quase instantaneamente esquecido e o tempo todos eles precisam procurar algo novo, conservar o nome nas páginas dos jornais para não ser esquecidos, devem suprir o apetite insaciável dos jornais e das redes de televisão, a ânsia comercial por novos rostos, modas, modismos, rixas; não devem se preocupar quando as notícias parecem acontecer porque eles estão lá, nem devem pensar na possibilidade de que tudo que testemunharam e escreveram ao longo de suas vidas pode um dia ocupar apenas umas poucas linhas nos livros de texto do século XXI.”
Nem mesmo o mais abstrato ser transeunte desse ‘sistema’ social de castas emocionais poderia ter o prazer de entrar numa fila para pagar suas contas. Quem pensa: “olha lá, uma fila repleta de trabalhadores pagando suas contas em dia, vou juntar-me a eles”...?
Para um cidadão desleixado talvez, pagar suas contas, seja como arrancar um fígado de um refugiado do Zaire, traficadas para um país vizinho para esse fim. Receber o salário e cumprir sua função social-capitalista-selvagem: pagar contas. Bem, quem não quer pagar dívidas que não as faça, não é mesmo? Mas como diriam os sábios tios guardadores do cofrinho perdido: “quem não deve não tem”.
Entrei na fila. Dia quente de um sábado agitado. Rumo à lotérica, o refúgio dos bons (e maus) pagadores. Pelo menos, vinte viventes em minha frente. O dinheiro contado para pagar a recém-cortada internet 3G contrastavam no bolso com algumas balas Halls em decomposição – resultado do esquecimento (de pagar a conta da net e das balas amolecidas e grudentas no bolso da calça que até fora lavada com os ‘drops’ junto).
Quarenta minutos esperando em pé. Quando a gente chega perto do guichê, a sensação é estranha. “Será que contei certo a grana? Vai ter multa? A mocinha vai atender bem? Que vontade de um Gatorade”. Situação que nos remetem à própria condição humana: “Puta vida, o que é que eu to fazendo aqui?”.
No instante em que cheguei no guichê, uma longa olhada para a mocinha. Algo como quem diz: “viu, não desisti”. Deveriam, de fato, dar desconto a quem chega ali, na boca do caixa.
Passei a folha, e ela disse, “Só essa?”, pendei em dizer: “não, tem também a folha do papel do Halls que grudou na cueca, porque o bolso ta furado, MEOOOO DEOOSSSS”. Respondi afirmativamente com a cabeça, com certa sensação de culpa. “Deveria ter mais contas para pagar...”.
Mas foi de fato, quando a mocinha passou o código de barras na leitora, seguida por uma cara de frustração da atendente, que meu coração bateu forte. Com uma voz doce e suave, como uma mãe acalentando seu filho perdido, ela disse: “o sistema está off”.
Não dá para imaginar quanto tempo passa entre as sombracelhas cerrando-se em direção aos olhos e os olhos dilatando a pupila, enquanto fita-se o olhar daquele que vai levar um ‘esporro’ (no caso a atendente). “Mas que p.q.p; f.d.p; zica do inferno, ô cacete”, repeti intimamente com meus nervos à flor da pele.
Não que ela tivesse culpa, afinal, a culpa é sempre do sistema. Não briguei. Resignei-me a olhar o cartaz da Tele-Sena (de natal) que algum estagiário certamente não removeu.
Olhei para a mocinha e falei: “ah... esse sistema né... danado... sempre apronta das suas...”. Ela não sorriu. Disse: “é...”, suspirando baixinho. Depois de quase 5 minutos – uma eternidade para quem espera – tudo deu certo.
O que me consola é que quem cobra uma conta, também as tem para pagar. Cada um tem o sistema que merece.